Orquestra Afro-Brasileira

por Felipe Siles

1947: Revalorização social do negro brasileiro (Vicente Lima)

Diário da Manhã (PE), 9 de setembro de 1947

O maior e mais interessante movimento de revalorisação social do negro em nosso País, foi sem dúvida nenhuma O Teatro Experimental do Negro, que alcançou grande êxito com a encenação da tragédia de Eugene O’Neill, “O Imperador Jones”.
Abdias do Nascimento, Aguinaldo Camargo, Ruth de Souza, secundados por Abigail Moura, regente da orquestra negra, são os animadores desse surpreendente movimento.
Faltou entretanto coesão e necessário se torna que os negros compreendam responsabilidaes como essas.
No meu encontro com eles, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de verificar esse afrouxamento, que aparece logo após a conquista da glória, todavia entre nós, os motivos foram bem outros. Evidentemente, “O Imperador Jones”, foi um talento de peça e muita cousa representou para o nosso neo-teatro, encená-la no Municipal e depois no Teatro Fesix.
Artistas consagrados como Otêlo, e Bibi Ferreira, auxiliaram o empreendimento e a critica se pronunciou totalmente favorável.
A sorte estava traçada para o negro. A palavra de ordem deveria e deverá ser “Para frente”. Todo negro deverá ser posto em brios.
Outras peças viriam, idealizará o seu Diretor Abdias do Nascimento, encenar “Otélo, o Mouro de Veneza” de Shakespeare, “Todos os filhos de Deus tem azas” também de O’Neill, extreadas em dias impróprios e sem sucessos, em preparo, “Le cocu Imaginaire” de Moliére, “Eu queria uma Loura” de José Carlos Lisbôa, foi o que se poderia fazer baseado nos nossos belos motivos épicos e líricos.
Ricos como somos em todos esses motivos, edificados na solidariedade e na bôa harmonia das nossas relações com os homens de côr diferentes, muito teriamos que esperar e muito iriamos dar ao Teatro Nacional.
Alguns observadores, repelira “O Imperador Jones”, como imprópria para um movimento de revalorisação e mais aplicavel a um movimento reveindicatório como necessitam os Americanos do Norte.
De qualquer modo foi um grande Teatro e uma grande prova a que se poz a capacidade dos homens de minha raça.
Encontrei-os tontos do sucesso, estive com eles, vários dias e convidei-os para uma mesa redonda para discutirmos vários assuntos vitais aos nossos interesses culturais.
A dispersão era entretanto muito grande. Parecia que motivos não só de ordens econômicas como políticas nos desagregavam.
Contra o segundo ponto me bati desesperadamente com o poeta negro, Solano Trindade e o Cometê Democrático Afro-Brasileiro.
A influência política do negro de São Paulo, e Porto Alegre, parecia desorientar os negros do Rio de Janeiro que não sabiam em qual ponto deveriam se apoiar.
Por detraz do Teatro Experimental do Negro estava o Centro de Cultura Afro-Brasileiro, dirigido por Solano Trindade, mais interessado na politisação do negro do que mesmo no Teatro, se bem que a sua colaboração tivesse sido valiosa e eficiente.
A este respeito me pronunciou em cartas e discordei tacitamente da ingerência política partidária. Defendi a posição apolitica das organizações culturais de negros em colaboração com brancos, mulatos e cafusos bem intencionados.
A primeira Convenção Negra, realizada na Associação Brasileira de Imprensa, terminou num desfecho político entre Solano Trindade e o estudante negro, Lobato, quando diretrizes de interesses culturais deveriam ter sido traçadas.
Esse sempre fôra o meu grande desejo e também o era do escritor Fernando de Góes, de São Paulo, conforme me deu ciência por cartas o Prof. Roger Bastide.
Minhas cartas provocaram celeumas dentro do Comitê que estava confundindo cultura com política de partido, chegando mesmo a me censurar como estudante de Economia Política, não admitindo política em todas as conquistas humanas.
Não me enganara. Eu tinha a certeza que politicamente iriamos fracassar, arrastando as nossas organizações. O negro mais uma vez seria aproveitado para exploração demagógica, como aconteceu com a fundação de certa “União Negra”, sem a participação e anuência dos negros, o que depois nos deu trabalho para passarmos o caso a limpo.
A imprensa carioca, arripiou o pêlo e denunciou a creação de problemas que diziam não existir, não obstante, o desprestigio de que foi alvo da Dra. Diggs, formada por duas Universidades Americanas, expulsa do Hotel Serrador no Rio de Janeiro e o fechamento de um Clube recreativo de negros, na rua do Triangulo em São Paulo, pelo Sindicato dos Logistas macunamado com a polícia. Tudo isto aconteceu por simples e mesquinhos preconceitos de côr.
Aquelas disserções politicas, influenciaram o nosso trabalho de organização. O Teatro principalmente, era como um corpo sem cabeça, não obstante a preocupação artística dos seus dirigentes.
Ele arrastava-se sem o viço dos que nascem amparados.
Encontrei-os sem lugar certo de reuniões e ensaios, “Boemios errantes sem palco” como classificou a Revista “Mulher Magazine” em recente e interessante reportagem. Reuniam-se no “Café Vermelhinho”, e ali discutiam seus assuntos.
Descri de outros sucessos e antevi a morte do Teatro Negro. Deus queira que eu tenha me enganado.
Observeri e convenci-me de que o negro no Brasil que tem sido autodidata, tem que realizar individualmente a sua tarefa de estratificação e revalorização social com muita habilidade e inteligência.
Acredito hoje, como ontem acreditara Frederico Douglas que êle precisa fazer sempre o dobro do que o branco fizer, para que se ache apenas bom e como Booker Washington que êle se torne tão util que a sociedade não o possa dispensar.

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